Bem-vindo ao meu círculo nostálgico vicioso!

Tragicamente poético.

Lá estava ele, o poeta, deixado caído sob a escrivaninha velha de madeira escura, seus olhos pouco abertos e nada de lucidez. Em sua mão esquerda havia uma garrafa quase vazia de uma daquelas bebidas com nomes estranhos que ele tanto usava para roubar sua dor. Era a melhor forma de ele esquecer tudo o que dói, quanto dói e que ainda dói. Levava devagar até os lábios molhados e tossia, seu estômago embrulhava e ele cuspia. Algumas anotações, alguns rabiscos e uma carta. Em letra maiúscula havia: “Jane”. Ele não havia aberto ainda. Sua visão fraca fitou o pedaço de papel.
– Pare de me enviar cartas, você não entende. Sou egoísta, estúpido e apaixonado. Mas não quero este amor. Não suporto sentir este amor que eu respiro por você e que morro a cada dia por ele. – soluçou.
Havia algo além de todo aquele ódio embebedado de amor dentro dele. Havia algo em seu inconsciente, algo em sua dor que tocava seus leitores, algo que ele não definia. Indefinível, isto seria a palavra mais correta para aquele momento.
Ao lado da carta, havia um quadro, um sorriso torto e os olhos mais hipnotizantes do mundo. De seu mundo. Era Jane. Ele estava a fitar o quadro quando o telefone-celular vibrou no bolso de seu casaco. Olhou o número e não conseguiu ler. Observou devagar pela janela do escritório: chovia. A chuva embaçava a janela e podia-se ver ao alto o céu esbranquiçado e a lua refletindo em seu rosto. Parou de vibrar e ele ignorou o telefonema.
Três batidas leves na porta e o silêncio interrompido por uma linda voz, como canto dos pássaros, como o barulho da chuva que caía e batia contra o chão. A voz ecoou em sua mente, ele correu os olhos pelo quarto, mas seus lábios não se moviam, sua língua paralisara-se e ele não tinha forças. Sabia que logo desmaiaria e a voz ainda ecoava. Sentiu o último amargo da bebida nos lábios misturando-se com o drama que havia em qualquer som emitido ali, sentiu o cheiro da chuva atravessando os lábios, o cheiro de Jane, o cheiro da carta, o cheiro da noite e o cheiro da Lua borbulhavam descendo por sua garganta. Um ruído saltou de sua voz e não se ouvia mais o poeta. Não havia amor, ódio ou dramas ou poemas. Não havia ninguém além da pequena Jane ajoelhada beijando os lábios do poeta e misturando o amargo da bebida com o dos remédios que ele tomara sem medir a dose. Jane juntou os restos que ainda havia de seu amor e guardou junto do poeta, enquanto deitada com a cabeça em seu peito, sentia o coração não mais bater.

2 Respostas

  1. E enfim, a morte.

    Lindo, amor.

    novembro 29, 2010 às 4:44 pm

    • Ele ficará bem onde está agora.
      Obrigada, Dani.

      novembro 29, 2010 às 8:45 pm

Deixe um comentário